Amanhã o Benfica estrear-se-á na edição deste ano da Champions. Apesar do enorme ruído mediático que os jogos desta competição despertam, não me sinto particularmente entusiasmado com isso. Com muita pena minha. A Champions League é uma competição na qual o principal objectivo é ganhar alguns jogos e chegar longe de forma a que o nosso clube possa juntar uns preciosos milhões que muito ajudam as contas bancárias. Mas aspirar a ganhá-la? Para a grande maioria do comum adepto da maior parte das equipas, isso é uma utopia. E é por isso que, em termos puramente futebolísticos, a Champions League pouco interesse tem e acaba por representar muito daquilo que está mal no futebol actual.
Quando era miúdo e vivia longe do Estádio da Luz, as quartas-feiras europeias começavam a ser antecipadas no mínimo com uma semana de antecedência, Procurava descobrir mais sobre os adversários exóticos de países distantes que o Benfica iria defrontar e de quem nunca tinha ouvido falar. Depois seguia os jogos agarrado ao rádio, às vezes à tarde, outras vezes à noite - porque nessa altura não estávamos sujeitos à ditadura das TVs, e os jogos começavam à hora que era mais conveniente para os intervenientes, e não todos obrigatoriamente às 19:45 ou às 20:05 ou lá quando as TVs entendessem que lhes dava mais jeito. Quando, uns poucos anos mais tarde, ia para o Estádio da Luz numa quarta-feira à noite com algumas horas de antecedência, ficava sentado no Terceiro Anel à espera do início do jogo e a tremer de nervos. Porque os jogos eram mesmo a doer e não havia margem para erros. A Taça dos Campeões era para os campeões dos respectivos países (e o campeão europeu da última época). Uma noite menos inspirada e uma equipa podia estar fora da Europa em Setembro ou Outubro. Uma noite inspirada e uma equipa mais 'pequena' podia seguir em frente e deixar de fora um gigante.
A Champions League acabou com toda esta magia. Na Taça dos Campeões, uma campanha europeia poderia ser comparável à travessia de um precipício sobre um arame. Um passo em falso e era a morte do artista. A Champions League é mais ou menos a mesma coisa. Mas com rede de segurança e um cabo a segurar o artista (que, por via das dúvidas, leva um pára-quedas) ao arame. Ah, e o arame foi substituído por uma ponte, não vá o diabo tecê-las. Há clubes que investem demasiado dinheiro para se poderem sujeitar ao risco de ficar de fora da Europa logo no início da época. Por isso a Champions garante-lhes futebol europeu pelo menos até Dezembro, com meia dúzia de jogos a realizar. E até podem escorregar uma, duas, até três vezes, que normalmente ainda dá para recuperar do erro. Não admira que, olhando para as fases mais avançadas da competição, todos os anos acabemos por encontrar lá os suspeitos do costume. Que assim ganham ainda mais dinheiro, e aumentam ainda mais o fosso para os restantes (o exemplo do que nos últimos anos se passou em Espanha, com Barcelona e Real a descolarem do resto do pelotão, é o mais flagrante). Um feito como o do Nottingham Forest do Brian Clough, que em três anos foi da segunda divisão a campeão europeu (eliminando logo na primeira ronda precisamente o campeão europeu Liverpool), seria impossível hoje em dia - até porque em Dezembro os 'tubarões' habituais da Champions lhes levariam metade da equipa. Mas mesmo assim havia ainda um risco adicional: se por acaso a época corresse mal a esses clubes, e acabassem por não ser campeões dos seus países, os milhões da Champions ficavam fora do seu alcance. Isso era um risco que esses clubes não estavam dispostos a correr. Foi assim que a Champions se transformou no cancro que não pára de crescer e vai fazendo as competições europeias definhar.
De repente, os segundos, terceiros e em alguns casos até quartos classificados passaram a ser participantes de pleno direito da 'Liga dos Campeões'. Clubes que nunca foram sequer campeões na sua história passaram a disputar a competição dos campeões. A Taça das Taças foi a primeira vítima, já que por norma os vencedores das taças dos países eram equipas que terminavam os campeonatos nos lugares de topo e obviamente optavam pelos milhões da Champions, deixando a Taça das Taças para a equipa sensação que tinha conseguido chegar à final. A perda de qualidade da competição foi evidente, e a sua extinção inevitável. A seguir foi a Taça UEFA, que no seu estertor se transfigurou em Liga Europa, uma espécie de sucedâneo da Champions, tentando sobreviver a todo o custo. Mas que hoje em dia não é mais do que uma competição para decidir quem é o melhor quarto ou quinto classificado dos campeonatos europeus. O seu futuro é cinzento, e não me admirará se em breve acabar absorvida pela imparável 'Champions'.
O futebol hoje em dia é um negócio; todos nós estamos fartos de o saber. Mas é um negócio que procura prosperar à custa do romantismo dos adeptos, que insistem em olhá-lo através de lentes rosadas pela paixão pelo clube e por um futebol com que cresceram mas que, na realidade, já não existe e dificilmente voltará. A paixão pelo nosso clube é-nos vendida e explorada para fins comerciais. O nosso lugar é no estádio, a apoiar a equipa, mas só se tivermos umas centenas de euros para despender por esse lugar. Se não os tivermos, então o nosso lugar é lá fora, que a paixão não é aceite como forma de pagamento. E se possível, até podemos exprimir a nossa paixão deixando mais uns euros na loja do clube pela camisola da nova época, ou pela camisola alternativa que em nome do marketing muda radicalmente todos os anos. Em nome da nossa paixão vendem-se pedras pintadas no chão, à volta da estátua de um dos nossos ídolos do tempo em que o futebol era apenas um jogo. E se não as quisermos comprar, uma qualquer criatura num call center de telemarketing pergunta-nos despudoradamente ao telefone se não achamos que a nossa paixão pelo nosso clube merece que façamos mais por ele.
Amanhã o Benifca entra em campo para disputar a Champions. Espero que ganhe. Mas tenho saudades das verdadeiras quartas-feiras europeias. Isto não é saudosismo; é uma constatação: dantes, o futebol costumava ser melhor do que é hoje.
bola nossa
-----
-----
Diário de um adepto benfiquista
Escolas Futebol “Geração Benfica"
bola dividida
-----
para além da bola
Churrascos e comentários são aqui
bola nostálgica
comunicação social
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.