Dizia um jornalista português, num órgão de comunicação social público português, aquando da chegada da selecção da Federação Portuguesa de Futebol a Manaus, que se avistava o autocarro da selecção onde vinha «o melhor do mundo e os outros». Nas conferências de imprensa, noventa por cento das perguntas colocadas aos “outros” eram sobre o “melhor do mundo”, os outros dez por cento questionavam a preparação (aparentemente deficiente) da selecção para a temperatura e a humidade. Ou seja, antes do Mundial começar, a comunicação social comentava a cilindrada dos automóveis dos futebolistas, os penteados, as barbas, as ‘selfies’, os bonés, as cores das chuteiras, os litros de vinho do Porto e os quilos de bacalhau. Durante o estágio, interessavam-se pela cor e decoração dos quartos de hotel, pelo emparelhamento dos jogadores, pelo que publicavam nas redes sociais e pela quantidade de adolescentes histéricas que invadiam treinos. Depois chegou o futebol e chegaram os maus resultados. Quando se falou de futebol, insucessos, responsabilidades e soluções, toda a comitiva portuguesa se insurgiu contra as perguntas inconvenientes dos jornalistas. Alguns, muitos, demasiados atletas saíram de campo com lesões musculares (um pormenor de que não interessa falar), CR7 saiu chateadinho dos jogos e sem cumprimentar / agradecer ao público, e o selecionador enviou recados e ameaças veladas para os malandros que, em Portugal, questionavam competências e qualidades da selecção. No momento de apurar responsabilidades, continuamos a ver a diferença entre “o melhor do mundo e os outros”: os outros são responsabilizados, o melhor do mundo tem as ronaldetes na imprensa lusa sempre prontas a separá-lo dos outros, dos da equipa que capitaneia…
Sabemo-lo, porque ninguém se preocupou em escondê-lo, que a Liga de Clubes foi esvaziada de poderes. Tudo, a seu tempo e de forma obscenamente às claras, foi passado para o feudo da Federação Portuguesa de Futebol. Mesmo em termos disciplinares, a Liga ficou com uma pífia Comissão de Instruções e Inquéritos assente numa alínea a) que lhe garante o poder de “instaurar processos disciplinares ou de inquérito, por iniciativa própria ou na sequência de participação”. Uma alínea que serve apenas para que a FPF dela escarneça, fazendo publicamente tábua-rasa dos inquéritos dela emanados. Ou seja, a Liga foi esvaziada, mas não ficou vazia. Nas últimas semanas foi ver como muitos (tantos e tão fracos) se juntaram, separaram, conluiaram, traíram, conspiraram e envergonharam o futebol numa ânsia de cadeiras e microfones (como diria o poeta Jorge de Sena). Afinal, parece que naquele osso bem rapado da Liga sobra ainda um belo naco de carne que vale tanto como todo o resto de carne que a FPF já de lá comeu. Os chacais prepararam-se para filar o naco que respeita aos direitos televisivos do futebol português. E foi em torno destes direitos que tantos jogaram xadrez, escolhendo equipas para jogar num tabuleiro há muito dominado pela oligarquia que atirou o futebol português para isto, esta coisa em forma de interesses privados que se aproveita da coisa pública. A luta em torno dos direitos televisivos é a luta em torno do dinheiro e do poder. Manter os direitos televisivos como um feudo privado dos mesmos que durante anos influenciaram campeonatos, escolheram presidentes da Federação e selecionadores é ajudar a perpetuar um poder bafiento e ultrapassado. Garantir que os direitos televisivos ficam fora da alçada desta gente é a única esperança de que o futebol português possa voltar a ser algo de digno.
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Artigo de opinião escrito e enviado para a redacção do jornal "O Benfica" no dia 09 de Junho, para publicação na edição de 13/06/2014 do jornal "O Benfica".
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