VAMOS ACABAR COM AS IMBECILIDADES
Sábado, 27 de Dezembro de 2008

Há coisas que nunca mudam.

Tal como o brasão de uma família representa a sua identidade, o emblema de um clube há-de traduzir a sua essência, marcando a sua diferença relativamente aos demais. Uma mente iluminada, há mais de 100 anos, antevendo a grandiosidade futura do Benfica, elegeu a águia como um dos elementos do emblema do Grupo Sport Lisboa, mantendo-se aquela no emblema do Sport Lisboa e Benfica. Desde então a águia tem simbolizado o âmago do benfiquismo, ou seja, a nossa essência, aquilo com que nos identificamos, e por isso mesmo afirmei há uns meses, perante uma audiência de cristãos, que um verdadeiro cristão não poderia ser senão do Benfica, acrescentando inclusivamente que existem umas incompatibilidades curiosas entre ser-se adepto de alguns clubes e cristão ao mesmo tempo.

 

Para melhor se perceber o fundamento da minha afirmação, transcrevo o que sobre a águia é escrito no Dicionário dos Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.
Águia – Rainha das aves, encarnação, substituto ou mensageiro da mais alta divindade uraniana e do fogo celeste, o sol, que só ela ousa fixar sem queimar os olhos. Símbolo tão importante que não há narrativa ou imagem, histórica ou mítica, tanto na nossa civilização como em todas as outras, em que a águia não acompanhe, ou mesmo represente, os maiores deuses e os maiores heróis: é o atributo de Zeus (Júpiter) e de Cristo, o emblema imperial de César e de Napoleão, e, tanto na pradaria americana como na Sibéria, no Japão, na China ou em África, xamãs, sacerdotes e adivinhos, bem como reis e chefes guerreiros tomam os seus atributos para partilharem dos seus poderes. […] A águia coroa o simbolismo geral das aves, que é o dos estados espirituais superiores e, portanto, dos anjos, como a tradição bíblica o testemunha frequentemente: “Os quatro tinham uma face de águia. As suas asas estendiam-se para o alto; cada um tinha duas asas que se tocavam e duas asas que lhe cobriam o corpo; e seguiam para onde o espírito os levava” (Ezequiel, 1, 10). Estas imagens são uma expressão da transcendência: nada se parece com ela, mesmo multiplicando os atributos mais nobres da águia. […] A águia fixando o Sol é também o símbolo da percepção directa da luz intelectiva. […] Símbolo da contemplação, por isso se faz a atribuição da águia a S. João e ao seu Evangelho. Identificada com Cristo nalgumas obras de arte da Idade Média, exprime ao mesmo tempo a sua ascensão e a sua realeza. […] Os Salmos, por último, fazem dela um símbolo de regeneração espiritual […].
Deixando agora de lado a universalidade do símbolo, é-me difícil perceber, de acordo com a tradição bíblica, como é que um cristão não se revê na águia e não a defende apaixonadamente. Sendo a águia a encarnação do pulsar benfiquista, como é que há cristãos não benfiquistas? Repare-se, a este propósito, na seguinte passagem do Apocalipse:
Quando o Dragão se viu precipitado na terra, lançou-se na perseguição da Mulher que tinha dado à luz um Menino. Mas à Mulher foram dadas as duas asas da águia real, a fim de voar para o seu refúgio, no deserto, onde ia ser alimentada durante três anos e meio, longe da Serpente. Então, a Serpente, na perseguição da Mulher, lançou da sua boca um rio de água, a fim de a arrastar na corrente.Mas a terra veio em socorro da Mulher: abrindo a sua boca, a terra engoliu o rio que o Dragão tinha lançado atrás da Mulher.E, furioso contra a Mulher, o Dragão foi fazer guerra contra o resto da sua descendência, isto é, os que observam os mandamentos de Deus e guardam o testemunho de Jesus.Depois colocou-se na areia da praia.[…] Vi, depois, um anjo que descia do céu. Trazia na mão a chave do Abismo e uma grande corrente. Agarrou o Dragão, a Serpente antiga, que também se chama Diabo ou Satanás […].
Já que se falou de dragões aqui, repara-se, a partir do texto anterior, no paradoxo que é ser-se cristão e adepto de um clube cuja identidade seja representada por um dragão – é que o dragão representa, biblicamente, o mal. Mas vejamos também o que diz o Dicionário dos Símbolos sobre os dragões:
O dragão aparece-nos sobretudo como um guardião severo ou como um símbolo do mal e das tendências demoníacas. […] O dragão como símbolo demoníaco identifica-se com a serpente: […] as cabeças de dragões quebradas e as serpentes destruídas são a vitória de Cristo sobre o mal. Além das imagens bem conhecidas de São Miguel ou de São Jorge, o próprio Cristo é por vezes representado calcando aos pés um dragão. […] Os dragões representam também o exército de Lúcifer, oposto ao exército dos anjos de Deus. […] São Jorge ou São Miguel e o dragão, que os artistas representaram muitas vezes a combater, ilustram a luta perpétua do mal contra o bem. Sob as mais diversas formas, esta obsessão reaparece em todas as culturas e em todas as religiões […].
Posto isto, eu apenas posso sentir-me reconfortado por a minha casa ser a da Luz (que representa o bem, a inteligência, o conhecimento) e estranhar a existência de cristãos que dizem que a sua casa é a do Dragão. Existissem ainda as ordens militares da Idade Média e veríamos como tudo estaria reduzido a pó, mas a injustiça domina, os tentáculos do mal chegam muito longe e às vezes há dragões com crista que nos aborrecem com a sua presença na Luz.
Bom, naquele auditório a que fiz referência anteriormente, havia umas duas ou três vozes que perguntavam avidamente como é que era com o leão. E eu li-lhes uma passagem do Dicionário dos Símbolos que me pareceu significativa: “o leão, animal puramente emblemático, tem profundas afinidades com o dragão, com o qual chega a identificar-se”. Ficaram envergonhados, que é um estado frequente nesta gente que se identifica com o leão, e eu tive pena deles, como costumo ter, e li-lhes uma passagem do mesmo livro que os deixou aliviados: “[o leão] pode ser tão admirável como insuportável”. Há pouco falei de casas, mas não posso falar do Alvalade porque, de tão insignificante, não existem referências bíblicas nem simbólicas a essa casa.
Antes de terminar, queria fazer um reparo a este gente que se identifica com os leões. Quando foram à Luz admirar o voo da águia, exibiram uma tarja que perguntava ironicamente “Viemos ao circo?”. Gentinha ignorante, os animais do circo são os leões e os elefantes, não as águias, ou já ouviram alguém dizer “vamos ao circo ver as águias”? Às vezes, num desvario cujos contornos não chego bem a perceber, esta gente diz que qualquer dia também solta leões em Alvalade para comerem os benfiquistas. Reparem que até neste breve rasgo de agressividade conseguem revelar a relatividade do seu valor: soltam os leões para se alimentarem de nós, porque somos nós que efectivamente os sustentamos – como sabem, não há adeptos do sportem, há é adeptos anti-Benfica, que, sem o Benfica, perdem o sentido da existência. Bom, soltem lá os leões, só espero que não lhes aconteça o mesmo que aconteceu aos outros que se esqueceram do dragão a cuspir fogo dentro do autocarro.
Reli aquilo que acabo de escrever e fico impressionado com a actualidade da Bíblia, ainda que na altura não houvesse viagens ao Brasil (apesar de já haver fruta).
publicado por p às 18:53
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