Uma exibição de gala, uma mão cheia de golos, quase todos eles grandes golos individuais ou colectivos, um ambiente incrível na Luz e a passagem aos quartos de final da Champions pela segunda época consecutiva carimbada. Assistimos a um verdadeiro atropelo ao Brugges, que nada conseguiu fazer para parar um Benfica que se apresentou ao nível do melhor que já tínhamos visto na primeira fase da época.
Perante um estádio da Luz tecnicamente esgotado, o Benfica entrou em campo com uma alteração no onze: regresso do Chiquinho à titularidade, o que implicou a saída do Neres e a colocação do Aursnes novamente sobre a esquerda. É incrível como um jogador que foi contratado em teoria para fazer a posição seis já nos parece uma escolha natural para actuar nesta posição. A entrada do Benfica no jogo mostrou logo ao que vínhamos. A melhor maneira de gerir uma vantagem trazida da primeira mão era mesmo alargá-la, e ainda mal se tinha completado o primeiro minuto de jogo e já o João Mário, de calcanhar, concluía da melhor forma uma excelente jogada de equipa pela direita e inaugurava o marcador - até que o VAR descobriu um fora de jogo do Gonçalo Ramos no início da jogada e anulou o golo. Foi pena, mas nada que deixasse a equipa abalada, porque a tónica continuava a mesma. O jogo foi valorizado porque o Brugges, sem nada a perder, também fez o que podia para tentar chegar ao primeiro golo no jogo, que lhes abriria novas e boas perspectivas para se recolocarem na discussão da eliminatória. Fosse o adversário uma equipa portuguesa e, mesmo tendo perdido a primeira mão por dois golos, certamente se apresentaria na Luz a jogar fechadinha atrás e a jogar em contra-ataque. Assistimos assim a duas equipas a tentar pressionar muito alto no terreno e a vir para a frente sempre que possível, e neste aspecto gostei bastante de ver a forma como o Benfica lidou com a pressão alta do adversário e conseguiu quase sempre sair a jogar com qualidade, mesmo em situações em que os nossos defesas e guarda-redes chegaram a ter que andar a trocar a bola dentro da nossa área enquanto pressionados. Um sinal de muita, muita confiança por parte dos nossos jogadores. Jogo do Benfica sem uns falhanços quase épicos já quase que nem parece normal, e por isso foi quase com naturalidade que vimos primeiro o Florentino atirar ao lado quando tinha tudo para marcar (embora tenha ficado com a sensação de que se marcasse, o golo acabaria novamente invalidado por fora de jogo do João Mário no início da jogada) e a seguir o João Mário a rematar já no interior da área naquilo que parecia um golo quase certo e a ver um defesa do Brugges cortar a bola em cima da linha de golo, com o guarda-redes já batido. É costume dizer-se que ao mais alto nível falhanços destes costumam pagar-se caro, mas a forma como o Benfica jogava dava-nos quase a certeza de que muitas mais ocasiões para marcar se seguiriam. Num verdadeiro carrossel ofensivo, com o Rafa de regresso ao melhor que já lhe vimos e constantes movimentações e trocas de bola e posições no ataque entre literalmente toda a equipa à excepção dos centrais, os belgas tinham a vida muito complicada. Foi aliás só por boa vontade (chamemos-lhe assim) do árbitro turco que não ficaram reduzidos a dez pouco depois da meia hora, porque o Lang enfiou uma sarrafada no Bah à entrada da área que lhe deveria ter valido o segundo amarelo, mas o árbitro acabou por assinalar uma falta que cometida imediatamente a seguir por um colega sobre o Rafa. Por falar em faltas à entrada da área, uma do Otamendi valeu-lhe também um amarelo que o retira do primeiro jogo dos quartos de final - tínhamos quatro jogadores em risco, um deles acabou por não escapar.
O Benfica acabou por chegar ao primeiro golo aos trinta e oito minutos (mais tarde do que o futebol que apresentou justificava) num excelente exemplo de como sair a jogar sob pressão, conforme referi. A jogada começa num lançamento de linha lateral a favor do Brugges, sobre a esquerda da nossa área, em que toda a equipa belga subiu no terreno para pressionar. O Aursnes recupera a bola, mete no Rafa, este deixa-a no João Mário e começa imediatamente a correr na direcção da área. A bola é depois metida no Gonçalo Ramos, que sobre a esquerda a leva desde a linha do meio campo até perto da área, flecte para dentro e coloca-a na área, onde o Rafa já chegou. Poderia ter tentado o remate de primeira, mas preferiu controlá-la e até nem correu muito bem, pois pareceu que isso tinha dado tempo aos defesas para recuperar a posição, obrigando-o a virar-se de costas para a baliza. E quando a opção mais óbvia até seria um ligeiro passe atrasado para o remate do João Mário, que aparecia solto à entrada da área, o Rafa decidiu-se por um 'passe' de trivela para a baliza, que colocou a bola bem juntinha à base do poste. Um grande golo, a assinalar o regresso do Rafa ao seu melhor nível e a fazer finalmente a Luz explodir com a merecida vantagem, que nos colocava cada vez mais firmemente na próxima eliminatória. E se este foi um grande golo, o que dizer então do segundo, que surgiu no segundo minuto de compensação? O mérito vai quase todo para o Gonçalo Ramos, mas a jogada que lhe coloca a bola nos pés começa num fantástico passe do Chiquinho para o Aursnes, a rasgar linhas. A bola seguiu depois para o João Mário, que sobre a esquerda a colocou na área para o Gonçalo. Depois o Gonçalo fez o que quis não de meia, mas de quase toda a defesa do Brugges. Flectiu para o meio e serpenteou entre um, dois, três, quatro adversários até fuzilar a baliza com um remate rasteiro de pé direito. A forma perfeita de fechar a primeira parte.
A segunda parte trouxe-nos um Benfica ainda mais dominador no jogo, mas com menos correrias. Se na primeira parte o Brugges ainda foi tentando responder no ataque, na segunda isso quase não aconteceu e o Benfica fez um jogo de muito mais posse e circulação de bola, sem no entanto ter alguma vez deixado de procurar mais golos. E é este o Benfica que o Roger Schmidt trouxe de volta e que tanto nos entusiasma, e a principal razão pela qual ele é já, ao fim de poucos meses, tão popular. Durante demasiados anos fomo-nos habituando a um Benfica que mesmo sendo superior aos adversários, normalmente quando conseguia chegar à vantagem tirava o pé do acelerador e entrava numa toada de 'gestão' do resultado, o que tantas vezes resultava em dissabores. E quando não acabava mal, deixava pelo menos uma sensação desagradável nos adeptos porque esse não é o ADN do Benfica, não é o chamado 'Benfica à Benfica'. O Roger Schmidt arrisca-se neste momento a ter no futebol do Benfica um impacto comparável ao que há quarenta anos atrás teve o Eriksson. Esperemos que consigamos, nós e ele, ser tão ou mais felizes como o fomos na altura. Voltando ao jogo, foram doze os minutos que tivemos que esperar para o marcador voltar a funcionar, e em mais uma boa jogada de equipa. Eu não sei dizer quantos passes é que a jogada envolveu, mas trocámos a bola durante um longo período de tempo, com ela a circular por quase toda a equipa até chegarmos à fase final, na qual o Chiquinho abriu no Aursnes sobre a esquerda, este esperou a entrada do Grimaldo para lhe colocar a bola, e dali saiu mais uma assistência, com o Gonçalo Ramos a fazer o movimento típico de se antecipar a toda a defesa (não creio que existam neste momento muitos avançados tão eficazes neste tipo de movimentação) surgindo na zona do primeiro poste para rematar de primeira de pé esquerdo. Pouco depois, as primeiras substituições, saindo o Chiquinho e o Bah para dar os seus lugares ao Neres e ao aniversariante Gilberto. Creio que o motivo para a sua saída terá sido mesmo o facto de terem recuperado recentemente de lesões, e não por alguma estratégia de prevenir um amarelo, no caso do Bah, que também o deixaria suspenso, porque os outros dois jogadores em risco fizeram os noventa minutos. Vimos também uma mudança táctica pouco habitual na qual o Benfica jogou com dois extremos puros, colocando o Neres na esquerda e deslocando o Rafa para a direita, com o Aursnes a recuar para o meio campo.
O Gilberto é um jogador que conseguiu ganhar o apreço dos adeptos pela forma como se entrega ao jogo, e não foi preciso muito tempo para dar mais uma prova disso mesmo porque aos setenta minutos foi uma insistência sua na área que lhe permitiu conquistar um penálti - volto mais uma vez a assinalar o facto de aparentemente os árbitros estrangeiros não terem qualquer problema em assinalar penáltis a nosso favor quando os lances assim o justificam. Por cá, jogar basquetebol dentro da área continua a não ser motivo suficiente para se marcar um penálti a nosso favor. Mas diga-se sobre este lance que mais uma vez o árbitro turco deve ter tido pena dos belgas, porque a falta do Sylla sobre o Gilberto (uma tesoura por trás, sem qualquer possibilidade de jogar a bola, e ainda por cima cometendo penálti) era claríssima para cartão amarelo, que no caso dele seria o segundo. É que nem há explicação lógica para que ele não tenha sido advertido (se fosse um árbitro cá do burgo até saberia a razão, mas a questão nem se colocaria porque teria sido o Gilberto a ver amarelo). Tinha quase a certeza absoluta que depois do susto da primeira mão o João Mário iria desta vez marcar o penálti para o lado esquerdo do guarda-redes (ainda pensei se seria dada ao Gonçalo Ramos a possibilidade de fazer um hat trick, mas com o Roger Schmidt não há brincadeiras dessas) e foi exactamente isso que aconteceu, com o guarda-redes a lançar-se para o lado oposto. Logo a seguir mais duas substituições, nas quais o nosso treinador voltou a mostrar a sua faceta de 'chato'. Mesmo a ganhar por quatro e com a eliminatória resolvida, continua a não facilitar. Não há cá estreias de jovens ou reforços, ou poupanças a jogadores em risco de suspensão: saíram o João Mário e o Otamendi, entraram o João Neves e o Morato (provavelmente para dar já minutos à dupla de centrais que irá ter que alinhar na primeira mão dos quartos). O João Neves teve um impacto quase imediato, já que três minutos depois de ter entrado fez a assistência para o quinto golo. Mais uma jogada de equipa simples, bonita e eficaz. Passe rasteiro ainda antes da linha do meio campo do António Silva para o Gonçalo Ramos, já no último terço do campo, e depois a bola a viajar da direita para a esquerda num toque de calcanhar do Ramos para o Rafa, que controlou no peito e tocou de primeira para o João Neves na zona central, que por sua vez abriu para a entrada do Neres na área pela esquerda. Depois o remate saiu cruzado, rasteiro e colocado ao poste mais distante. O auxiliar anulou inicialmente a jogada por fora de jogo, mas o VAR corrigiu e valeu mesmo. Nos últimos dez minutos, nos quais houve mais uma substituição 'chata' do nosso treinador (Lucas Veríssimo no lugar do António Silva) achei que a equipa finalmente relaxou um pouco e tentou recrear-se com a bola, o que foi aproveitado pelo Brugges para dar um arzinho da sua graça e foi recompensado com um golaço de honra mesmo a fechar a partida: o lateral esquerdo Meijer surgiu solto pelo seu lado à entrada da área e enviou um autêntico míssil teleguiado ao ângulo do lado oposto, deixando o Vlachodimos sem qualquer possibilidade de reacção.
A parte difícil de fazer destaques quando a nossa equipa faz um jogo quase perfeito é mesmo a escolha. Posso referir os suspeitos do costume, como mais um jogo brilhante do Gonçalo Ramos, que deve ter feito a sua cotação subir ainda, ou do Rafa (seja muito bem vindo de volta, Rafa pré-lesão) ou ainda do Grimaldo. Ou ainda o que o Chiquinho jogou em cerca de uma hora que esteve em campo - e um dos maiores elogios que lhe podemos fazer é referir que se notou claramente o salto qualitativo no futebol jogado pela equipa em relação aos últimos jogos com ele na equipa. Ou a fantástica exibição do Florentino, que por vezes me parecia estar simultaneamente em todo o lado. Ou o operário Aursnes, que dispensa floreados e faz tudo de forma sóbria e eficaz, raramente fazendo o que quer que seja mal feito. Muito por onde escolher, felizmente.
Não querendo ser desmancha prazeres, a minha opinião é que com a chegada aos quartos de final os serviços mínimos exigíveis ao Benfica estão cumpridos. Daqui para a frente, tudo o que vier será um bónus. Não me agrade nem consigo alinhar naquilo que eu considero exageros e excessos de confiança de falar já em idas à final e afins, até porque nunca foi essa a postura da nossa equipa e há outros factores imprevisíveis como a sorte a ter em conta. É natural que exista ambição, mas o que temos que fazer agora é simplesmente olhar para o próximo jogo. O que me parece evidente é que, face ao que temos feito esta época na Champions, tenhamos pelo menos a confiança que venha quem vier, a nossa equipa tem pelo menos a capacidade para jogar um futebol que nos permitirá encarar a eliminatória com possibilidades de a discutir. Seja qual for o adversário. Mas por agora, olhos só para o Marítimo.
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